#122 As mulheres que seguram o mundo
Por que as virtudes cardinais são representadas por figuras femininas (e o que isso revela sobre o poder silencioso do feminino)
Em muitas imagens que atravessam os séculos, encontramos mulheres segurando balanças, leões, jarros de água, colunas partidas. Elas não são guerreiras, nem rainhas, nem santas. São figuras alegóricas, encarnações daquilo que sustenta a ordem invisível do mundo: as virtudes cardeais.
Hoje, quero refletir sobre como Justiça, Temperança, Fortaleza e Prudência, virtudes cardeais ensinadas no Catecismo da Igreja Católica, foram representadas, desde a Antiguidade, como mulheres. E o que isso ainda nos diz, mesmo agora.
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Na tradição ocidental — da filosofia grega ao cristianismo, da arte medieval ao tarô — as virtudes cardinais são representadas por figuras femininas. Não é por acaso! Cada uma dessas virtudes é uma forma de força interior que exige algo muito mais do que poder bruto. Exige equilíbrio, vigilância e sabedoria, qualidades que, na linguagem simbólica, sempre apareceram ligadas ao feminino.
A representação das virtudes como figuras femininas não tem origem no feminismo moderno (como poderia!?), mas numa tradição simbólica antiga que reconhece no feminino a) a capacidade de gerar e nutrir valores; b) o dom da mediação, da intuição e da presença silenciosa; e, c) a vigilância moral, tendo a mulher como guardiã, como o “olho que tudo vê” no plano interior.
O feminino, nesse contexto, é a forma da verdade — não por fragilidade, mas por sabedoria serena. A mulher com a espada, com a balança, com o jarro ou com o leão, representa a ideia de que a verdadeira força, justiça e equilíbrio não precisam gritar.
A Justiça é uma mulher com uma espada e uma balança. Ela não ataca; ela julga. Ela não pesa com paixão, mas com precisão.
A Temperança é uma mulher que verte água de um vaso ao outro, pacientemente. Ela não se apressa, não derrama; equilibra. É o arquétipo da mediação entre opostos, entre o desejo e o limite, entre a ação e a espera. É a virtude que assegura o controle da vontade sobre os instintos, mantendo os desejos dentro dos limites da honestidade e da pureza.
A Fortaleza é uma mulher que domina um leão com as mãos nuas. Ela não usa chicote, nem correntes. Usa presença, firmeza e delicadeza. Vence a ferocidade sem violência, apenas com a autoridade do espírito. É a virtude que proporciona segurança em meio às dificuldades, conferindo firmeza e constância na busca pelo bem, mesmo diante das adversidades.
A Prudência, curiosamente, não aparece como arcano maior no tarô tradicional. E isso é significativo. Apesar de ser considerada a mãe de todas as virtudes — pois é ela quem orienta o uso das demais —, a Prudência ficou de fora como carta própria. Mas talvez não esteja ausente; apenas oculta.
Há algumas hipóteses simbólicas para isso. O tarô foi estruturado com forte base em alegorias cristãs e filosóficas da Idade Média. Como a Prudência era vista como uma virtude interior, discreta, silenciosa, ela pode ter sido incorporada de forma implícita em outros arcanos, como O Eremita e A Sacerdotisa.
Contudo, em algumas versões antigas do tarô italiano, como o tarô Minchiate do século XVI, a Prudência aparece como carta separada. Esse baralho, mais complexo e extenso (com 97 cartas), incluía todas as virtudes cardinais e teologais.
A Prudência é a virtude que guia todas as outras: saber o que é justo, quando equilibrar, quando resistir. Tudo depende do discernimento da Prudência. Ela é o cérebro por trás da ação moral. E talvez seja por isso que não tenha um trono visível no tarô: seu reino é o interior.
“O homem prudente vigia os seus passos” (Pr 14, 15).
Vivemos em um tempo que confunde força com barulho, presença com performance, coragem com imposição. Mas essas mulheres antigas, silenciosas, imóveis em sua compostura, continuam nos lembrando que há um outro tipo de poder.
Um que não precisa ser notado para ser real. Que age, mesmo quando parece apenas esperar. Que sustenta o mundo — não com as mãos, mas com o coração firme e a consciência limpa.
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Patthy